Mobilidade Urbana é acesso a novas oportunidades
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22 de Julho de 2016 – 05h21 horas / Gazeta Mercantil Experience

Mobilidade urbana era um termo e um conceito pouco difundidos no Brasil até há poucos anos. Limitava-se ao âmbito dos planejadores, dos urbanistas, dos administradores públicos. A realização da Copa do Mundo de Futebol, em 2014, teve o efeito de trazer o tema a público, colocá-lo no centro da onda de protestos de rua que antecedeu a realização da Copa e de incluí-lo definitivamente na agenda nacional. Isto apesar de o legado da grande competição internacional ter sido frustrante neste campo: dois anos depois da realização da competição da Fifa no Brasil, apenas 18% das obras de transporte urbano projetadas para a Copa do Mundo saíram do papel, e muitas delas incompletas.

 

O verdadeiro legado parece ter sido a onda de consciência de que a mobilidade urbana é mais do que implantar infraestrutura viária urbana ou investir em equipamento de transporte, mas trata-se de conceber democraticamente as cidades, de valorizar o direito de ir e vir dos cidadãos e de promover o dinamismo econômico e social da sociedade.   Por isto, a mobilidade ganhou lugar de destaque no discurso político e certamente será um tema altamente relevante nos debates em torno das eleições municipais deste ano.

 

Mas do que estamos falando, afinal?

 

As pessoas se movem em busca de oportunidades de trabalho, de estudo, lazer, arte, cultura, encontro, expansão do ser e do conhecer. As oportunidades não se distribuem linearmente nem no tempo nem no espaço. Mobilidade é diferente de trânsito. Mobilidade é acesso às oportunidades e trânsito é circulação. Trata-se, portanto, de algo maior do que o transporte de pessoas, de alargar as vias de circulação de ter mais ou menos carros nas ruas: trata-se de definir o modelo de cidades que estamos construindo e de como o cidadão deve se relacionar com o espaço. Uma concepção democrática de cidade aproxima todos os cidadãos das oportunidades. É, desta forma, um vetor de desenvolvimento econômico e social, de aprimoramento da sociedade e de redução das diferenças sociais.

 

Um mito a ser derrubado é de que o trânsito é negativo. Na verdade, o trânsito é positivo até gerar deseconomia. O volume de circulação dá vida à cidade, mas se torna negativo quando congestiona o sistema de circulação. Outro mito: uma ponte ou viaduto pode resolver temporariamente um problema do trânsito, mas não resolve a mobilidade.

 

A cidade precisa oferecer uma rede de opções de modais interconectada que dê oportunidade de escolha às pessoas. A boa mobilidade não é necessariamente a que tenha mais metrôs, corredores de ônibus, avenidas, ciclovias ou calçadas de qualidade, mas a que faça uma combinação justa, inteligente e eficiente de todos os modais possíveis para acessar as oportunidades. Há uma série de soluções que podem impactar e otimizar a mobilidade nas cidades, como as caronas solidárias, os regimes de horário flexível, home office, o compartilhamento de carros, os aplicativos de trânsito, as entregas noturnas, entre outros.

 

O trânsito tem o mesmo comportamento de um gás, se espalha e ocupa todo o recipiente (as ruas e avenidas). Tentar reduzir o congestionamento construindo mais ruas para os carros é como tentar resolver um problema de obesidade afrouxando o cinto: a causa não está sendo atacada. O acesso às oportunidades é que precisa ser maior.

 

As cidades brasileiras não têm uma distribuição espacial equilibrada de pessoas e oportunidades. Nossas cidades têm baixa densidade demográfica e ocupam uma mancha urbana maior do que as cidades europeias. Enquanto Paris tem 21 mil habitantes por quilômetro quadrado e Londres abriga 12,3 mil habitantes na mesma área, São Paulo e Belo Horizonte quase empatam em 7,3 mil habitantes por quilômetro quadrado e o Rio é ocupado por 5,2 mil pessoas por quilômetro quadrado.

 

É curioso comparar o mapa de distribuição da população em São Paulo ou no Rio de Janeiro com o mapa de distribuição das oportunidades de trabalho. A população espalha-se por grande área em todas as direções, formando uma enorme mancha, enquanto os postos de trabalho se aglutinam em poucos eixos ou regiões. Acessar tais oportunidades implica grandes deslocamentos diários de enormes contingentes.

 

Em cada cidade, a população tem sua estratégia para deslocar-se de modo a otimizar tempo e dinheiro. A estratégia individual de mobilidade sempre pondera os dois fatores – às vezes, gastar menos é mais importante do que chegar mais rápido.  Nas grandes cidades brasileiras como Rio, São Paulo, Belo Horizonte e Salvador, o automóvel é apenas o terceiro modal mais utilizado pelos cidadãos em seus deslocamentos. O primeiro é o transporte público (46% dos deslocamentos no Rio, por exemplo), seguido pelo deslocamento a pé. Este público que se desloca a pé tende a recorrer também à bicicleta, o que deve acarretar o crescimento de sua importância nas estatísticas.

 

Ao contrário do que pode nos levar a crer o senso comum quando contemplamos os congestionamentos na hora do rush, o Brasil é um país pouco motorizado. Possui 200 carros para cada mil habitantes. Na Europa, a proporção média é de 600 veículos por mil habitantes, índice que salta para 800 veículos por mil habitantes nos Estados Unidos. Amsterdam tem um alto índice de motorização, mas o que mais vemos por lá são pessoas caminhando, usando bicicleta, bondes e outros modais. Aqui cabe uma reflexão:  o índice de mobilidade oferecido por uma cidade depende da oferta de opções em vários modais e de políticas de estímulo, para que se encontre um equilíbrio entre as melhores escolhas individuais e alta eficiência sistêmica.

 

Não há soluções prontas nem fórmulas mágicas. Há muitos modelos possíveis, compatíveis com a geografia, topografia, história, cultura e distribuição da população e das oportunidades em cada cidade. O importante é conceber a cidade como um elemento vivo, que pode ser composto. Isto é: uma região metropolitana ou cidades conturbadas exigem estratégias comuns e conjuntas. Não adianta solucionar um problema até a margem do rio que faz a divisa entre duas cidades. O deslocamento da população e a distribuição das oportunidades não obedece os limites dos mapas oficiais.

 

O melhor sistema de mobilidade é o que oferece mais opções às pessoas. É aquele que otimiza o uso da cidade, intensifica o acesso às oportunidades, utilizando softwares diversos. O Rio de Janeiro parece avançar nesta direção, combinando investimentos em diversos modais e somando grandes e pequenas intervenções urbanas, que poderão mudar a qualidade do relacionamento da população com a própria cidade. O duplo legado da Copa do Mundo e dos Jogos Olímpicos e Paralímpicos tem o potencial de marcar o início de uma nova fase na história da cidade, sob o signo do esforço de inclusão, de valorização dos espaços públicos, de maior acesso às oportunidades e de convite à redescoberta do Rio de Janeiro.

 

por Roberto Baraldi


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