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23 de Janeiro de 2018 – 05h31 horas / Valor Econômico

Um artigo da reforma trabalhista, a Lei nº 13.467, de 2017, pode atrapalhar a aplicação da própria norma pelos magistrados. O motivo é um procedimento previsto na nova legislação para alterar súmulas pelo Pleno do Tribunal Superior do Trabalho (TST), que pode inviabilizar a atualização dessas orientações, se aplicado de forma literal.

 

"Se formos aplicar a reforma à ferro e fogo, não poderíamos mudar a jurisprudência, com base na própria lei", afirma o ministro Walmir Oliveira da Costa.

 

Com a reforma, o artigo 702, I, f da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) passou a prever que para a mudança de súmulas e enunciados é necessário o voto de pelo menos dois terços dos membros, se a matéria já tiver sido decidida de forma idêntica por unanimidade em, no mínimo, dois terços das turmas, em pelo menos dez sessões diferentes em cada uma.

 

Para a Comissão de Jurisprudência da Corte, o texto afronta a orientação interna do TST, que deveria fixar seus procedimentos. A comissão pediu, em questão de ordem, que a validade do dispositivo seja analisada pelo tribunal na sessão do dia 6 de fevereiro, marcada para votar as mudanças nas súmulas propostas em parecer da Comissão.

 

Se o TST entender que o texto é constitucional, há duas alternativas. Uma delas é interpretar o dispositivo com base na intenção do legislador e não de forma literal – ponderando que as súmulas precisam se adequar para dar segurança jurídica à reforma. Se esse for o entendimento, será seguido o rito previsto na lei, com manifestação oral de entidades interessadas.

 

Caso seja dada interpretação literal, Costa entende que as súmulas teriam que ser canceladas. Com isso, o TST não decidiria se a reforma se aplica a todos os contratos ou apenas aos novos, por exemplo, gerando insegurança jurídica.

 

Apesar de o governo alegar que a reforma se aplica a todos os trabalhadores, o parecer elaborado pela comissão do TST aponta em outra direção. Nele, os ministros propõem a mudança na redação de algumas súmulas e orientações jurisprudenciais com modulação de efeitos (limitação temporal) para depois da entrada em vigor da reforma. Os dispositivos abrangem tópicos como custas processuais, seguro-desemprego, horas in itineres, férias, diárias intrajornada, prescrição intercorrente, revelia, custas processuais, entre outros.

 

"Mantivemos o critério de respeitar o direito adquirido", afirma o ministro Walmir Oliveira da Costa, presidente da Comissão de Jurisprudência. O ministro destaca que o parecer não é vinculativo. "O Pleno pode decidir de forma diferente", diz. Costa esclarece defender a aplicação da reforma trabalhista, mas considera que alguns dispositivos têm que ser compatibilizados com a Constituição.

 

Não há unanimidade sobre o assunto nem no próprio TST. A posição do presidente da Corte sobre a reforma é conhecida e diferente do parecer da comissão. Para Ives Gandra Martins Filho, se o texto não for aplicado aos contratos vigentes, podem ocorrer demissões, ao deixar os funcionários antigos em condições mais vantajosas.

 

"Precisamos, o quanto antes, dar segurança para as pessoas fazerem seus contratos. A própria Comissão [de Jurisprudência] reconhece no parecer que se aplicar só a contratos novos pode gerar desemprego", diz o presidente. De acordo com o ministro, ele tem concedido liminares – só na terça-feira foram quatro – para a reforma ser cumprida. O parecer propõe a mudança de 34 súmulas. O presidente já vê necessidade de alterar mais 16.

 

Se os ministros decidirem pela inconstitucionalidade, será feita a votação com base no parecer da comissão, que não vincula os magistrados. "Podemos resolver perguntando quem está de acordo ou não com o parecer da comissão, e a votação será rápida", diz Gandra Filho.

 

Outra possibilidade, ainda em estudo, é a apresentação de uma instrução normativa pelo presidente, no lugar da votação das súmulas. Nesse caso, as entidades não se manifestariam. A instrução também seria uma orientação aos demais tribunais e poderia indicar se a reforma vale para os contratos vigentes ou apenas para os novos.

 

A manifestação das entidades interessadas, caso o artigo 702 seja considerado constitucional e as súmulas apreciadas, também é um ponto que preocupa quanto à rapidez. Até o momento, 63 grupos já pediram participação, entre centrais sindicais e entidades de classe. Se cada uma delas tiver os dez minutos habituais para sustentação oral, serão dez horas de explicações.

 

Nessa hipótese, para tentar dar rapidez, o presidente da Corte pode sugerir algum formato para as sustentações, de forma a evitar que a sessão se alongue tanto. Uma das alternativas é reunir as sustentações que têm os mesmos argumentos em uma hora cada.

 

Para a advogada Pamela Giraldelli Mota, do Rayes & Fagundes Advogados, o artigo 702, I, f, não impede, mas dificulta a revisão de súmulas e enunciados pelo TST. Apesar de a Medida Provisória nº 808, de 2017 determinar que a reforma trabalhista se aplica a todos os contratos de trabalho, ela considera muito relevante o pronunciamento do Judiciário sobre o assunto. "Temos nos deparado com diversos posicionamentos sobre o tema", diz.


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