Assaltos a caminhões cresceram no Rio e capitalizam quadrilhas
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13 de Dezembro de 2016 – 04h10 horas / O Globo

A pequena São José do Vale do Rio Preto registrou, durante todo o ano, seis roubos, uma impressionante média de um caso a cada 50 dias. Mas é justamente a violência o pesadelo que vem tirando o sono de produtores, comerciantes e trabalhadores da pacata cidade da Região Serrana. Isso porque metade de sua economia é movimentada pelos abatedouros, que enviam 80% de tudo o que produzem — cerca de 600 mil aves por semana — para o município do Rio de Janeiro.

 

Negócio garantido, pelo menos, até o ano passado. De lá para cá, a entrega de mercadorias virou uma roleta russa, a ponto de ameaçar o mais promissor setor de produção local. A descida da serra é quase uma certeza de prejuízo. O Estado do Rio já contabiliza 30 roubos de carga por dia, a maioria na Região Metropolitana. Dados da Polícia Civil mostram que os gêneros alimentícios se tornaram os principais alvos dos ladrões, junto com bebidas e cigarros. Se antes esse tipo de crime era praticado por quadrilhas especializadas, agora tornou-se braço financeiro do tráfico de drogas.

 

Em 2013, foram 3.534 roubos de carga no estado. Desde então, os números não param de aumentar: 5.890 registros, em 2014; no ano passado, 7.225 e, até outubro deste ano, 7.439 ocorrências. Estimativas da Polícia Civil e do Sindicato das Empresas do Transporte Rodoviário de Cargas e Logística do Rio de Janeiro (Sindicarga) mostram que devem fechar 2016 em nove mil casos. Um crescimento de 154,66% nos últimos quatro anos. Assim como aconteceu nas décadas de 1990 e 2000, quando o tráfico fez disparar os roubos de veículos, que eram revendidos no Paraguai para financiar o mercado de armas, atualmente as cargas desviadas representam para as quadrilhas uma mina de ouro no quintal de casa. Muitas indústrias e empresas de distribuição das mercadorias estão situadas justamente nas principais vias de acesso ao Rio que, por sua vez, são cercadas por favelas.

 

— Faz parte da estrutura logística do Rio de Janeiro. Os depósitos de empresas grandes, a maioria deles, ficam próximos a comunidades que têm alta incidência em roubo de cargas. De certa forma, isso facilita para o criminoso na hora de abordar o veículo e levá-lo até a comunidade, porque ele percorre um trecho muito pequeno, em que a chance de cruzar com um carro da polícia fica reduzida — explica o delegado Maurício Duarte, titular da Delegacia de Repressão a Roubos e Furtos de Cargas (DRRFC).

 

Segundo Duarte, o tráfico de drogas descobriu que roubar cargas é uma atividade muito lucrativa.

 

— E esse lucro vem dos receptadores, maus comerciantes que acabam fomentando toda essa estrutura criminosa. Os traficantes de droga resolveram investir o poderio bélico deles nisso — explica Duarte, que vem realizando operações de cerco aos acessos dessas favelas para tentar coibir os roubos e, ao mesmo tempo, está investigando possíveis receptadores.

 

Na quarta-feira passada, em uma dessas operações, as equipes da DRRFC conseguiram resgatar trabalhadores e recuperar uma carga de frango que acabara de ser roubada na favela de Acari. Nervosos, o motorista do caminhão e seu ajudante contaram que foram obrigados a desviar por dentro da comunidade, porque, no meio do caminho, tinha sido erguida uma barreira:

 

— A barreira era de concreto e trilhos de trem. Não dava para a gente derrubar, então entrei na rua para fazer o contorno. Eu nunca tinha visto tanto homem armado junto — contou o caminhoneiro que, mesmo depois de resgatado pela polícia, continuava em pânico. — Eu só tenho 15 dias de carteira (assinada pela firma). Essa foi minha quarta saída. Vou pedir para não fazer mais entrega em área de favela.

 

Um dia antes, outro caminhoneiro tinha sido levado para dentro do Chapadão. Foi o quarto assalto sofrido pelo motorista de São José do Vale do Rio Preto, que, ao retornar para casa, avisou ao proprietário do abatedouro, Fabiano Rocha, que não vai mais fazer esse serviço:

 

— Eu vou bem até o pedágio em Xerém. Quando chego lá, entrego minha vida a Deus. Não dá mais. Isso não é mais um risco, é certeza. Eu fui assaltado quatro vezes este ano. Na primeira, eles ficaram com o caminhão para transportar uma outra carga roubada e me fizeram descer a pé o morro do Chapadão. A última abordagem aconteceu na terça-feira (dia 6 de dezembro), uma semana depois de eu ter sofrido outro roubo.

 

Dono do Andriolo Aves Abatidas, fundado na década de 1970, Fabiano contou que, no último ano, perdeu quatro dos 15 caminhões e um total de R$ 120 mil em mercadorias.

 

— Somos seis abatedouros, todos com problemas. Não estamos mais aguentando o prejuízo com tantos roubos. Eu já perdi quatro motoristas, profissionais que não querem mais fazer entregas para o Rio. Existe um risco sério de colapso e de desabastecimento. Nós já participamos de duas reuniões do Fórum de Segurança de Cargas, mas a situação é muito grave — afirmou Fabiano.

 

Um dos principais interlocutores junto às autoridades em busca de uma solução para o problema, o diretor de Segurança do Sindicarga, coronel Venâncio Moura, atribui o aumento dos crimes à mão de obra ociosa do tráfico:

 

— Muitos bandidos estão sem função no tráfico de drogas e, por isso, migram para o roubo de cargas. Eles veem possibilidade de lucro muito fácil, em comparação com a venda de drogas.

 

"CRIME ESTÁ FORA DE CONTROLE"

 

Segundo ele, em 2014, voltado para a redução dos homicídios, o governo estadual não fez o investimento necessário para coibir o roubo de carga.

 

— O estado apostava nas UPPs e na redução do índice de homicídios e de outros crimes. Mas se as autoridades tivessem tomado providências para o aumento de casos, que naquele momento era localizado, não chegaríamos ao ponto que chegamos, com todo o estado contaminado. O fato é que esse crime está fora de controle. Algumas empresas já não estão fazendo entregas em determinados bairros e, para piorar, São Paulo, Santa Catarina e Minas Gerais já têm restrições em relação ao Rio de Janeiro. Elas não aguentam mais tanto aumento de custo, não só com o valor do seguro, mas também com escoltas e outras medidas necessárias. Em outubro, nós registramos 943 roubos de carga, um recorde na história nacional — afirmou o coronel, que não vê solução a curto e médio prazos para o problema, principalmente porque a situação se agrava com a crise financeira estadual.

 

O Polo Empresarial da Pavuna (PEP), com 36 empresas, fica em uma das regiões mais atingidas pelo roubo de cargas e instalou câmeras de alta definição em 20 pontos de maior incidência do crime. Não há um único dia, em que o equipamento não grave flagrantes da ação dos assaltantes.

 

— A gente nunca imaginou que pudesse chegar a esta situação, que se agravou principalmente a partir do meio do ano. E agora esses crimes estão atingindo números inaceitáveis e extremamente prejudiciais à economia do estado. Nós já aumentamos em 60% os gastos com segurança. Nossas imagens são compartilhadas entre as empresas e também com a polícia na tentativa de ajudar no controle desse grave problema. São prejuízos milionários, sem contar que, com o trauma, motoristas muitas vezes têm que se afastar do trabalho e demoram a retomar suas atividades — contou o presidente do Polo da Pavuna, Marcelo Andrade.

 

CORREIOS AGORA OFERECEM SEGURO A CLIENTES

 

Moradora do Rio há pelo menos 20 anos, a publicitária Isabela França usava o serviço dos Correios para manter um costume corriqueiro em família: o de emprestar roupas. Ela enviou, via Sedex 12, um vestido de festas para a irmã, em Belo Horizonte, que ficou de devolvê-lo dias depois. A peça, assinada por uma estilista carioca, foi postada de volta em 16 de novembro. Dois dias depois, ao checar o serviço de rastreamento do site da empresa, soube que o caminhão com a encomenda havia sido roubado, e, a não ser que tivesse a nota fiscal do vestido, os Correios só pagariam o valor da remessa. A família foi ao Procon. Depois do prejuízo, Isabela soube que, devido ao aumento de roubos, a empresa passou a oferecer seguro. “Sempre usei e nunca me indicaram”, disse.

 

Segundo os Correios, o número de roubos de carga postal subiu 70%, em relação a 2015. Em nota, a empresa disse que pediu apoio especial à Polícia Federal: “O cenário no Rio configura uma situação endêmica do estado”. De acordo com a empresa, nem os mais de R$ 9 milhões gastos em ferramentas de segurança e monitoramento de veículos conseguiram mudar o quadro: “Os Correios estão sendo prejudicados com o grande volume de indenizações pela carga postal subtraída nas investidas criminosas. Além do prejuízo financeiro, a imagem Institucional da empresa tem sido igualmente prejudicada e desgastada perante à opinião pública”.


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