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09 de Janeiro de 2017 – 04h41 horas / EXTRA – Globo.com

Apartamentos do programa federal “Minha casa, minha vida” na Zona Norte do Rio estão sendo usados por bandidos como depósito de cargas roubadas. Em duas operações da Polícia Civil no Bairro Carioca, em Triagem — um complexo de 11 condomínios inaugurado em julho de 2012 —, entre os meses de novembro e dezembro do ano passado, agentes apreenderam mercadorias dentro de apartamentos no primeiro andar do bloco 9. Uma investigação da 25ª DP (Engenho Novo) revela que uma quadrilha especializada em roubos de cargas usa o conjunto para descarregar e armazenar os produtos.

 

Nos últimos dois meses, policiais civis e militares estiveram no condomínio em pelo menos seis ocasiões para recuperar cargas roubadas — em três delas, houve tiroteio. No último dia 16, agentes da 25ª DP conseguiram recuperar mais de R$ 500 mil em mercadorias no conjunto.

 

Após receberem uma denúncia de que um caminhão com uma carga de remédios havia sido roubado no Viaduto Ana Néri e estava sendo levado para o condomínio, os agentes foram ao local e conseguiram surpreender os criminosos antes do fim do desembarque dos produtos, que estavam sendo levados para um apartamento vazio.

 

Na ocasião, os policiais conseguiram encontrar, dentro de outro imóvel, também desocupado, 98 rolos de tecido da grife feminina Animale, roubados duas semanas antes. Entre os produtos que a polícia já recuperou no condomínio, há também refrigerantes, carnes e até barris de chope.

 

‘Condomínio vira formigueiro’

 

De acordo com a investigação da 25ª DP, a quadrilha de roubos de cargas do Bairro Carioca é ligada à maior facção criminosa do Rio. Seus integrantes moram no conjunto habitacional e são oriundos de várias favelas diferentes dominadas pela facção: Jacarezinho, Manguinhos, Mangueira, Providência. Os mesmos bandidos são responsáveis por instalar três bocas de fumo no local.

 

A quadrilha é organizada. Na entrada do condomínio, na Rua Bérgamo, a cerca de 100 metros da estação de metrô de Triagem, jovens com radiotransmissores alertam outros integrantes sobre a chegada de policiais. Basta a viatura policial passar que fogos de artifício espocam. O trajeto dos caminhões de carga pelo condomínio é sempre o mesmo: o veículo é deixado entre os blocos 9 e 10, próximo à caixa d’água do conjunto. Num muro próximo, os bandidos abriram um buraco para facilitar a fuga, após o desembarque das cargas. Em todas as vezes em que a polícia conseguiu chegar ao condomínio no momento em que o caminhão era esvaziado, os agentes foram recebidos a tiros e os bandidos conseguiram fugir.
— Quando um caminhão chega, os moradores correm para retirar as cargas. Crianças e mulheres ajudam. O condomínio vira um formigueiro — afirma um policial.
Os produtos roubados são, por vezes, consumidos dentro do condomínio: há casos de cargas de cerveja e carnes — usadas para “abastecer” churrascos na área de recreação. Já remédios e tecidos são revendidos.

 

Imóveis recuperados

 

A polícia tem a informação de que há imóveis no Bairro Carioca invadidos por bandidos. Numa das operações da 25ª DP no local, os agentes encontraram um imóvel vazio mobiliado somente com colchonetes. Na frente do apartamento, havia uma moto reconhecida por motoristas de caminhões como a utilizada por bandidos num roubo de carga.

 

Em março do ano passado, a partir de um documento enviado à polícia pela Caixa Econômica Federal — que opera os financiamentos do programa federal —, informando que diversos apartamentos do Bairro Carioca haviam sido invadidos, os agentes da distrital começaram a bater nas portas dos mais de 2 mil apartamentos para checar se os ocupantes dos imóveis faziam parte do programa. Os policiais descobriram, na ocasião, que 18 apartamentos estavam desocupados. O fato foi comunicado à Caixa, que realocou moradores para as unidades.

 

Há duas semanas, um segurança de uma empresa de transporte de cargas sentiu na pele o domínio dos criminosos no condomínio. Ele foi ao local para tentar recuperar um caminhão, que havia sido roubado e depenado. Não conseguiu entrar no conjunto: logo na entrada foi rendido e obrigado a dar meia-volta.
Em março de 2015, após três meses de apuração, o EXTRA revelou na série “Minha casa, minha sina” que, à época, todos os 64 condomínios do programa federal destinados aos beneficiários mais pobres — a chamada faixa 1 de financiamento — no Rio, eram alvo da ação de grupos criminosos. No Bairro Carioca, quase nada mudou.

 

Procurado, o Ministério da Justiça não respondeu aos questionamentos do EXTRA.


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