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29 de Maio de 2017 – 05h52 horas / O Globo

À primeira vista, parecem aviões de brinquedo. Desses que crianças e adolescentes levam para o parque com controle remoto debaixo do braço. Na verdade, são máquinas extremamente sofisticadas, que podem custar até R$ 300 mil e sobrevoar quilômetros de extensão sem auxílio de piloto. Criados para fins militares, os drones — ou veículos aéreos não-tripulados (Vants) na linguagem dos técnicos — estão na mira de empresas como a concessionária Arteris, que pretende usá-los para auxílio de resgates em acidentes em estradas, e o grupo segurador Banco do Brasil e Mapfre, que tem um projeto piloto para empregar a tecnologia na avaliação de bens.


Novos usos que serão possíveis a partir da regulamentação da Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) para o equipamento, publicada no início do mês. Embora especialistas vejam lacunas nas regras, como a falta de uma fiscalização efetiva, dados da agência mostram o interesse pela máquina. Até 2 de maio, quando as normas foram divulgadas, a Anac havia autorizado cerca de 400 voos de drones no Brasil, todos em caráter experimental. Daquele dia até a última quinta-feira, 8.027 equipamentos haviam sido cadastrados no site da agência. O cadastro, seja para fins comerciais ou recreativos, passou a ser obrigatório para drones com peso acima de 250 gramas.


SEGURO PARA DRONE


Essas aeronaves são controladas remotamente, munidas de câmeras e sensores. Por executarem ações que até pouco tempo atrás eram feitas apenas com helicópteros, mas por uma fração do custo, passaram a ser cada vez mais demandadas no universo dos negócios. A regulação da atividade, porém, era um entrave no desenvolvimento desse mercado no Brasil, que hoje já reúne 720 companhias, segundo levantamento da DroneShow, feira de referência do setor. O número considera fabricantes, importadores, desenvolvedores de software, prestadores de serviço ou de treinamento.


A concessionária Arteris usa drones há um ano para inspecionar obras. Um dos equipamentos auxilia no monitoramento das frentes de trabalho do Contorno de Florianópolis, extensão de 50 quilômetros da BR-101 que liga Garuva a Palhoça, na região metropolitana da capital catarinense. Em outra concessão, no trecho da BR-116 que vai de Curitiba a Capão Alto, na divisa com o Rio Grande do Sul, o drone está sendo usado também para fiscalizar acessos irregulares à rodovia e monitorar pontos críticos de acidentes.


— Antes fazíamos o monitoramento com ultraleve ou helicóptero. O drone melhora a qualidade do acompanhamento das obras. Agora, estudamos usar o equipamento para auxiliar as equipes de resgate em acidentes, principalmente em lugares de difícil acesso — disse Elvis Granzotti, gerente de operações corporativa da Arteris, acrescentando que o objetivo é expandir o uso de drones para todas as nove concessões de rodovias.


O grupo segurador Banco do Brasil e Mapfre tem projeto piloto para uso de drones na avaliação de bens que serão segurados. O uso é voltado especialmente para a área rural, pois os drones conseguem fazer imagens precisas das lavouras, por exemplo. O aparelho poderia ser usado também na avaliação de sinistros, ou seja, dos prejuízos causados por algum acidente nas áreas que são asseguradas pela empresa. Segundo Paulo Hora, gerente executivo de Operações e Sinistros Rural e Habitacional do grupo, a previsão é que o produto esteja disponível no mercado até 2019.


A companhia poderá se beneficiar ainda da nova regulação da Anac, que exige dos usuários de drones que façam seguro para indenizar terceiros em caso de acidentes. A exigência é para drones comerciais com peso acima de 250 gramas. O grupo lançou recentemente seguro para danos pessoais e materiais causados a terceiros (durante voo ou em solo), com limite de indenização de R$ 225 mil.


ALTA DE 15% EM PEDIDOS


A principal preocupação da Anac ao criar as novas regras para drones foi justamente com a segurança. Uma das regras prevê que, para voar com drones com mais de 250 gramas perto de pessoas, é necessário que elas concordem previamente com a operação. A agência classificou os equipamentos em três classes, de acordo com seu peso. A maior parte dos drones se enquadra na classe 3, abaixo de 25 quilos. Neste caso, além do cadastro da máquina no site da agência, será necessária autorização específica do órgão, se o equipamento voar a uma altura superior a 120 metros e seguir uma trajetória para além do campo visual do operador. Também é preciso ter aval da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel), que regula ondas de radiofrequência, e do Departamento de Controle do Espaço Aéreo (Decea).


A fabricante de drones Horus Aeronaves, de Santa Catarina, percebeu efeito direto sobre suas encomendas após a publicação das regras: houve aumento de 15% nos pedidos e de 25% nas solicitações de orçamentos, segundo seu presidente, Fabrício Hertz. A empresa fabrica drones de 1,2 quilo a 3 quilos. Os equipamentos são feitos à base de fibra de carbono, numa produção praticamente artesanal.


— A publicação das novas regras vem em um momento crucial para a expansão da tecnologia — disse Hertz.


Entre as empresas que já usam drones está a produtora Paranoid. William Etchebehere, diretor de cena e de fotografia, estima que o uso de drones proporciona economia de 60% quando comparado à utilização de gruas na produção de filmes ou comerciais. Entusiasta da tecnologia, tem quatro equipamentos e ele mesmo os opera. Na mineradora Vale, que usa o drone em levantamentos topográficos de minas, economiza-se tempo: um mapa que era feito em dois dias pode ser concluído em menos de 24 horas agora. A mina de Brucutu (MG) é uma das que já conta com a tecnologia, que a empresa planeja, no futuro, expandir para todas as minas.


‘FALTA FISCALIZAÇÃO EFETIVA’


Apesar do avanço, especialistas ainda veem lacunas na legislação. Um dos pontos é a fiscalização. Segundo a Anac, ela será feita por policiais, além dos três órgãos que emitem as autorizações, mas há dúvidas de como ela vai funcionar na prática.


— O drone é um equipamento seguro, capaz de evitar áreas de aeroportos porque é equipado com geolocalização. A partir da regulamentação, temos um cenário mais claro, mas ao mesmo tempo incerto pela falta de uma fiscalização efetiva — afirmou Gabriel Carvalho, do escritório Trench Rossi. — No caso de aerolevantamentos (levantamentos aéreos com precisão), o uso de drones precisa de permissão do Ministério da Defesa, que segue normas muito antigas, quando esse tipo de serviço era feito com aeronaves tripuladas. Deverão ser feitos ajustes nas regras.


UM MERCADO DE US$ 127 BILHÕES


É nos setores de infraestrutura e agricultura que estão as maiores oportunidades para o uso de drones, segundo estudo da consultoria PwC. Ela estima que o mercado potencial para a tecnologia movimente US$ 127 bilhões por ano no mundo. Os serviços prestados na área de infraestrutura — incluindo atividades como monitoramento de obras e inventário de ativos — podem movimentar US$ 45 bilhões, seguidos por US$ 32 bilhões em aplicações agrícolas, como análise de solo e saúde de plantas.


A consultoria mantém um centro na Polônia — primeiro país a adotar legislação para drones, em 2013 — focado nos usos comerciais desses equipamentos.


No Brasil, a consultoria mantém equipe de cerca de 15 pessoas dedicadas a estudar a implementação de tecnologias emergentes, como os drones. Um dos projetos em desenvolvimento agora é a possibilidade do uso desses equipamentos em operações de salvamento de pessoas que estão se afogando. A ideia é usar os drones para transportar boias até a pessoa que está no mar, alcançando-a com mais rapidez e precisão que um salva-vidas.


— O serviço poderia ser contratado diretamente por órgãos públicos, por exemplo. Ainda estamos trabalhando numa parceria para viabilizar esse projeto — disse Tomás Roque, sócio da PwC.


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