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08 de Junho de 2015 – 05h06 horas / G1

Imagens e escutas telefônicas que revelam os bastidores das quatro quadrilhas de roubo de carga e caminhões presas, na última segunda-feira (1º), em Mogi das cruzes, foram divulgadas pela Polícia Civil. Essa parte da investigação descobriu como os bandidos faziam para roubar e entregar as carretas até os receptadores
As imagens da polícia mostram o chefe de uma das quadrilhas,retirando o rastreador de um caminhão dentro de um estacionamento.Os comparsas tinham roubado o veículo na rodovia Fernão Dias.Depois do flagrante, feito em março desse ano, a polícia recuperou o veículo.

Outros 14 também foram devolvidos aos donos nos 6 meses de investigação.O chefe de uma das quadrilhas também aparece em outras imagens esperando os comparsas voltarem de um assalto. Ele nunca abordava os motoristas, tinha a função de retirar os rastreadores e pra isso, ameaçava as vítimas por telefone que estavam em poder dos outros criminosos, como mostra uma das escutas:

Chefe da Quadrilha: Fala pra ‘nóis’ [sic] onde que tem o rastreador dele?
Vítima: Eu não sei porque eu ‘tô’ [sic] pouco tempo trabalhando com esse caminhão
Chefe da Quadrilha: Qualquer coisa que acontecer de errado ‘nóis tá’ [sic] com seu documento tudo aqui na mão, viu, nós acha você

Sem o rastreador, a quadrilha deixava o caminhão em galpões, por alguns dias, pra ter certeza de que não havia nenhum outro dispositivo de localização. Daí em diante, as carretas eram entregues aos receptadores. Um deles é de Teresina, no Piauí. Numa das viagens, o suspeito que dirigia o caminhão roubado foi parado pela polícia. A escuta telefônica flagrou o momento em que o motorista conta o que aconteceu para o chefe:

Não identificado: Os caras me pararam lá em Vitória da Conquista, mano.

Chefe da Quadrilha: Mas ta [sic] tranquilo, você ta [sic] indo embora?

Não identificado: Não, to indo embora, né. Como você vai fazer com a minha passagem?

Chefe da Quadrilha: Chegando lá, ele vai te pegar e já vai te levar pro aeroporto.
Quem iria levar o suspeito até o aeroporto pra volta de avião era o receptador. A quadrilha clonava as placas e assim conseguia enganar a polícia. Ao todo quatro quadrilhas foram identificadas. Em outro bando quem fazia esse trabalho de emplacar e também retirar os rastreadores era o homem identificado nesta quarta-feira (4). Ele foi flagrado falando com outro bandido sobre a adulteração das placas e sobre o roubo de um outro caminhão:

Suspeito: Ô, mané, tá [sic] tranquilo?

Não identificado: Não ta [sic]  muito não, tá "berrado" [sic]  lá (com placas originais)

Suspeito: entendeu, mané… Tô com o bagulho na mão (caminhão roubado) [sic]

Os criminosos tinham até uma falsa viatura policial, com luzes e sirene. O carro era usado pra abordar os caminhoneiros. É sobre um outro carro como esse que eles conversam:

– Não tem uma viatura não (…) Pra nois ir ali num trampinho da hora, não, mané?
– Tem que ser aquelas que tem sirene e tudo? (…) Tem os distintivo, colete, tem tudo só não tem viatura.
– Você acha que o distintivo dava pra "pá", mete esses louco aí?
– Ah… Dá porque é original, né, "véinho".
Segundo a polícia cada caminhão roubado rendia para os bandidos 40 mil reais. Entre as apreensões estavam 17 carros, uma moto aquática e  R$ 344 mil em cheques devolvidos de clientes de dois receptadores presos. O dinheiro também servia para se defender na justiça. É o que mostra uma outra escuta telefônica:
Chefe da quadrilha: Ele foi preso na Mogi-Dutra com um caminhão, caminhão roubado. Você liga lá 'praquele" [sic] advogado que te tirou, mané, pra ele ir lá acompanhar o flagrante do menino lá e fala que até o final da semana nós manda um dinheiro pra ele
Integrante da quadrilha: eu vou mandar o número do advogado aí. Você liga.
Quem tiver qualquer informação sobre os suspeitos foragidos pode fazer a denúncia anônima pelo 181.

Operação

A operação é comandada pela Delegacia Seccional de Mogi das Cruzes, que começou as investigações depois de um roubo na Rodovia Ayrton Senna, no trecho de Mogi das Cruzes, em janeiro deste ano. A partir do caso, a polícia foi autorizada a fazer escutas e a acompanhar os suspeitos ao longo das rodovias.

Ainda de acordo com a polícia, na operação foram apreendidos 17 carros, sendo um com sirene e luzes semelhantes às de um veículo da polícia, uma moto aquática e um aparelho que serve para desligar o rastreador dos caminhões. A polícia ainda faz levantamentos, mas acredita que muitos desses veículos foram comprados com o dinheiro do crime e também eram usados nas ações. A polícia informou ainda que 16 caminhões foram recuperados.

Além dos mandados de prisão, a Polícia Civil informou que também vai cumprir 99 mandados de busca e apreensão em vários municípios da Região Metropolitana. Também estão na mira da polícia três receptadores: dois na Grande São Paulo e um no Piauí. Eles recebiam caminhões roubados para a revenda.

Segundo a polícia, todos vão responder por roubo qualificado, formação de quadrilha e sequestro, já que em todas as ocasiões os motoristas eram feitos reféns por horas e ficavam rodando em um veículo com os criminosos ou eram mantidos em cativeiro.

A Polícia Civil fez um perfil das quadrilhas investigadas. A primeira descoberta tinha 13 integrantes. O grupo atuava principalmente na Fernão Dias, e o foco dele eram caminhões que seriam levados para o Piauí com as placas adulteradas.

A segunda quadrilha tinha 12 integrantes, e a atuação era concentrada na Rodovia Presidente Dutra. A terceira também tinha como foco as cargas e tinha cinco integrantes. Já a quarta quadrilha contava com cinco integrantes e tinha dois receptadores, que também são donos de desmanches.

Nos seis meses de investigação, o núcleo de Roubo de Carga de Mogi das Cruzes acompanhou, por meio de escutas, a atuação das quadrilhas em 28 roubos de caminhões, sendo que 15 foram recuperados. Ainda de acordo com a polícia, quase todos os integrantes dos grupos criminosos já cumpriram pena por roubo, e os três receptadores já têm passagens por esse tipo de crime.

Coletiva

O secretário estadual de Segurança Pública, Alexandre de Moraes, também participou da coletiva, em Mogi das Cruzes, na tarde desta segunda. “Esse quadrimestre foi o maior em produtividade desde 2001, quando começou a medição das atividades policiais. A produtividade aumentou em 6,38%. É importante salientarmos que a curva de ascensão do roubo de carga vem subindo de maneira aritmética. Desde 2010 há um aumento gradativo, mas pequeno.”

O secretário explicou ainda que há dois tipos de roubo de carga: os casos de conveniência, que acontecem quando surge a oportunidade e os roubos ocasionados por quadrilhas. “Esses casos de roubos por quadrilha representam apenas 8,2% dos roubos de carga, mas o valor agregado é muito maior devido a periculosidade, os indivíduos agirem armados. Com o trabalho de interligação, conseguimos agir na raiz dessas quadrilhas”, comenta.

Segundo Moraes, as investigações e prisões foram possíveis por meio de um mapeamento de todas as rodovias, incluindo horário e local. “Todos os roubos de carga dos últimos dez anos estão mapeados. Estamos verificando agora as rotas de fuga e os receptadores para evitar que o crime prossiga”, finaliza.


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