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04 de Dezembro de 2014 – 05h20 horas / G1

Durante 30 anos, a BR-319 – maior rodovia federal que corta o Amazonas – sofre com abandono e falta de manutenção. A estrada, que foi construída na década de 1970 pelo governo militar para integrar a Amazônia ao restante do Brasil, ainda não conseguiu eliminar o isolamento terrestre entre parte do Norte e o país. Após décadas de espera, a população que reside às margens da rodovia e em cidades influenciadas por ela mantém o sonho de ver a BR-319 totalmente recuperada e trafegável. Trechos da rodovia estão recebendo obras, e de acordo com o Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (DNIT), em uma década, R$ 100 milhões já foram gastos em estudos de impactos ambientais. O G1 percorreu 280 quilômetros da rodovia e mostra parte dos principais desafios que envolvem a restauração do local.

 

O Amazonas é cortado por cinco rodovias federais. Com 877 quilômetros de extensão, a BR-319 é a maior delas. A rodovia começa em Manaus e termina em Porto Velho (RO). Durante muitos anos, a 319 foi o principal corredor de transporte de cargas e passageiros entre as duas capitais, mas desde a década de 1980, sem manutenção adequada, a rodovia começou a sofrer degradação até se tornar praticamente intrafegável já nos anos 90.

 

Sem a possibilidade de utilização da rodovia, todo o transporte de cargas entre as duas capitais passou a ser feito por via fluvial pelo Rio Madeira, que segue em paralelo à estrada. Outra opção de translado é por via aérea.

 

Falta de sinalização vertical e horizontal, buracos no asfalto, atoleiros, lama, pontes deterioradas e a ausência de camada asfáltica é uma realidade atual enfrentada pelos poucos motoristas que se aventuram pela rodovia, principalmente no trecho mais crítico, situado entre os quilômetros 250 e 655.

 

'Estrada prometida'

 

A partir do KM 250 da BR-319, o tráfego de veículos se torna ainda mais crítico. O trecho mais parece um percurso de rally devido ao grande número de buracos e até áreas sem qualquer vestígio de asfalto. O início da parte mais precária da rodovia começa no Igarapé Jordão. Em uma pequena casa ao lado do local, o agricultor Nilson Teixeira de Souza, de 70 anos, aguarda melhorias da estrada  – uma promessa que já dura 20 anos. Uma coisa nunca sairá da memória do agricultor:  os dois dias que ficou na estrada sob chuva forte e com veículo atolado na lama.

 

"Temos fé, mas estamos meio duvidosos. Seria muito bom se a estrada estivesse em boas condições. Fica complicado e caro o transporte assim", desabafou o agricultor que produz farinha de mandioca e cultiva frutas com a esposa na propriedade.

 

A recuperação integral da BR-319 poderá ser decisiva também para centenas de moradores da comunidade Igapó-Açu. Sem internet e sinal de telefonia celular, o socorro rápido aos moradores doentes torna-se impossível. O pescador Vivaldo Assunção, de 52 anos, mora na comunidade com seis, dos sete filhos. Ele vive a angústia de não saber se em caso de emergência conseguirá levar os familiares para o hospital mais próximo, na cidade de Borba. "Só Deus para nos salvar dessa situação. Já vi meu filho morrer de malária na década de 1980 e, depois disso, outras crianças morreram também. Ainda não acabou a esperança de ver a BR melhor", afirmou o pescador.

 

Da porta da casa no KM 198, em Borba, o agricultor Antônio Marcos acompanha a recuperação, ainda lenta, do trecho do 237 quilômetro da rodovia. O homem, de 36 anos, deixou Manaus com esposa e filho há dois anos para residir e cultivar mandioca na propriedade de cinco hectares às margens da estrada.

 

"Há algum tempo não era possível trafegar de carro, mas ainda existem muitos problemas e quando chove fica muito complicado. Aposto na estrada, estou contando com a recuperação total para ter como escoar minha produção", comentou.

 

Desmatamento

 

O G1 percorreu 280 quilômetros da BR-319 – de Manaus até Manicoréx, no Sul do Amazonas. Em vários trechos da rodovia há locais com vegetação destruída por queimadas. O desmatamento às margens da estrada também é expressivo, embora o fluxo de veículos e número de moradores ainda sejam pequenos. As invasões de áreas protegidas é um dos principais fatores que vem impedindo a liberação da licença ambiental.

 

Obras

 

No início dos anos 2000, a recuperação da BR 319 voltou à pauta do governo federal. E no governo Lula, a obra passou a fazer parte do PAC – Programa de Aceleração do Crescimento. Entretanto, somente em agosto de 2014, uma parte da rodovia começou a receber obras de restauro. De acordo com o Dnit, as obras do trecho entre os quilômetros 13 e 198, orçadas em R$ 349 milhões, deverão ser concluídas em 2017. A primeira frente de trabalho é dividida em dois lotes e as obras de reconstrução total do trecho são executadas pelo consócio composto pelas empresas Sanches Tripolini, Construtora Soma e Engespo. Até o momento, 50 km no sentido Manaus/Humaitá foram executados, o que que inclui recapeamento com CBUQ (Concreto Asfaltico Usinado a Quente).

 

No trecho mais crítico da BR-319, que vai do KM 250 ao KM 655, a recuperação ainda enfrenta impasses. O Ibama considerou insuficientes os estudos de impactos ambientais – o EIA/RIMA para a execução da obra –  feitos por uma equipe da Universidade Federal do Amazonas (Ufam). A preocupação é que a estrada potencialize o desmatamento no Sul do Amazonas. Enquanto o estudo complementar não for concluído e a licença ambiental não for expedida, as obras de recuperação não poderão ser realizadas.

 

"Em dez anos, R$ 100 milhões foram investidos em estudos ambientais. Agora um novo estudo vai custar R$ 11 milhões. O estudo feito pela equipe da Ufam era suficiente. Essa mesma equipe elaborou o estudo do Gasoduto Coari/Manaus e da Ponte do Rio Negro. A gente não sabe o por quê o estudo da BR-319 não ter sido aprovado, tendo em vista que os impactos são parecidos", justificou o superintendente do Dnit/AM, Fábio Galvão.

 

Enquanto o impasse não é solucionado e para não paralisar totalmente o tráfego de veículos no trecho central da rodovia, serviços de manutenção foram iniciados pelas empresas contratadas pelo Dnit. Cada um dos quatro lotes terá custo anual de R$ 10 milhões. Os serviços englobam retirada de atoleiros, substituição de bueiros, reforma de pontes de madeira e tapa-buracos. Atualmente, 150 quilômetros no sentido Humaitá/Manaus receberam o serviço. As obras são de responsabilidade de duas empresas.

 

"Assim que sair a licença ambiental, paralisa o serviço de manutenção. Como a obra é do PAC e os recursos estão assegurados, quando o projeto executivo estiver pronto e aprovado, iniciaremos a obra de restauração que possibilitará a recuperação do asfalto e da base", explicou o superintendente.


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