Na pauta, o transporte: entrevista com Clésio Andrade
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02 de Março de 2017 – 04h34 horas / CNT

O Brasil atravessa um dos seus períodos mais críticos, com uma grave crise econômica e instabilidade em diversos setores. Esse cenário tem afetado toda a sociedade. Com a atividade transportadora, não foi diferente. Houve queda de receita, redução de quadros de empregados e aumento de custos operacionais.

 

Na primeira edição de 2017 da revista CNT Transporte Atual, o presidente da Confederação Nacional do Transporte e dos Conselhos Nacionais do SEST e do SENAT, Clésio Andrade, defende os fortes investimentos em infraestrutura para reverter esse quadro. Em entrevista à reportagem, ele reconhece ações do governo do presidente Michel Temer para recuperar a economia, como a aprovação da PEC do teto dos gastos públicos e propostas de reformas estruturantes. Entretanto, chama a atenção para a necessidade de priorização da agenda do transporte.

 

Leia, a seguir, a primeira parte da entrevista de Clésio Andrade à revista CNT Transporte Atual.

 

Em 2016, tivemos o agravamento das crises econômica e política no Brasil, com aumento do desemprego, inflação, impeachment. De que forma o setor de transporte está sendo impactado?

 

Toda a economia do país está sendo impactada, seja no transporte, na indústria, no comércio e no turismo. As pessoas perderam renda. A última Sondagem Expectativas Econômicas do Transportador, divulgada pela CNT, mostrou que mais de 60% das empresas de transporte tiveram redução de receita em 2016 e cerca de 75% tiveram aumento de custo operacional. Não foi um ano fácil, mas devemos considerar que a situação do país é consequência dos erros dos anos anteriores. A grave crise na economia e as péssimas condições de infraestrutura são resultado de poucos investimentos. O impeachment é consequência de uma má gestão e assim por diante.

 

O setor retomou a confiança no governo, esperando que os investimentos em infraestrutura de transporte sejam feitos?

 

A mudança de governo cria essa retomada de confiança. O governo anterior estava sem credibilidade, não conseguia ter acesso ao Congresso, não tinha condições de aprovar reformas nem de gerenciar. Qualquer alteração nesse quadro traria novos ares, e é isso que aconteceu com o governo Michel Temer. Entre os transportadores ouvidos na Sondagem da CNT, mais da metade aumentou a confiança na gestão econômica do governo federal.

 

Qual avaliação o senhor faz desses meses de novo governo?

 

Começam a surgir fatos concretos que nos fazem acreditar que estamos no caminho correto. A aprovação da PEC do limite dos gastos públicos é muito importante. O país entra efetivamente em uma linha de responsabilidade fiscal. Se vamos controlar, vamos criar receitas para investir. Vamos usar a receita para gastar melhor, com resultados mais efetivos. A partir daí o que vai melhorar? Entendemos que há dois cenários. No primeiro, de curto prazo, acho que não muda muita coisa. Mas os novos ares vão continuar, e o país está se preparando para mudanças. Em um segundo momento, quando o PIB voltar a crescer, não tenho dúvidas de que o Brasil entrará num círculo virtuoso de desenvolvimento de, pelo menos, 20 anos.

 

Há alguma medida que o senhor destacaria como essencial para a retomada do crescimento?

 

Não conseguimos enxergar solução específica de curto prazo. A PEC do teto dos gastos públicos foi a primeira, e as propostas para a Previdência são fundamentais. Sem reforma, não seremos beneficiados no futuro porque o país não terá recurso para pagar. Mas há uma certa divergência entre a visão do governo e a nossa visão, da CNT. Talvez uma das principais vertentes que o governo ainda não soube cuidar sejam os fortes investimentos em infraestrutura. Isso estimularia o crescimento do país antes do previsto. Se destravar os projetos, o Brasil volta a crescer.

 

Faltam, então, ações mais concretas que priorizem esses investimentos?

 

O governo tem sinalizado positivamente para isso e tem sido cauteloso, tomando as medidas certas, como as questões previdenciária e trabalhista. Mas ainda não enxerga que tem capacidade e condições de fazer fortes investimentos em infraestrutura, independentemente de ter os recursos financeiros necessários. Grande parte dos projetos previstos no Plano CNT de Transporte e Logística pode ser feita em parceria com a iniciativa privada. Mas é necessário ter gestão, eficiência de procedimento. Deve-se criar segurança jurídica. Vontade, o investidor tem.

 

Com a atuação dos escritórios na China e na Alemanha, a CNT tem identificado real interesse dos investidores estrangeiros no Brasil?

 

O nosso escritório em Pequim tem demonstrado isto claramente: a importância de trazer esses investimentos estrangeiros. Na Alemanha, estamos buscando as melhores práticas de tecnologia. Precisamos de investimentos e dessa troca de informações. Os escritórios trabalham para identificar as oportunidades. Mas reforço que é necessário oferecer segurança jurídica e também deixar claro quais são os projetos.

 

A CNT defende alterações na legislação trabalhista. Qual a importância dessas medidas para o setor?

 

A reforma trabalhista é fundamental, e o governo tem lançado medidas positivas. Mudanças são necessárias até mesmo para garantir a geração de empregos. O setor transportador e outros de intensa mão de obra empregam muito e sofrem mais as consequências. Por isso, a CNT e o transportador trabalham para melhorar a legislação trabalhista. A terceirização da atividade-fim, por exemplo, é fundamental. Senão, como vamos fazer com os caminhoneiros autônomos? Até para garantir o próprio trabalho deles, é preciso regulamentar a terceirização. Assim, é possível evitar distorções da lei. A legislação trabalhista é arcaica, provém da década de 1940. Para se ter uma ideia, a CLT fala do trabalho de transporte como caixeiro-viajante. É fundamental atuarmos nessa área, e a CAT (Comissão de Assuntos Trabalhistas), instituída pela Confederação, tem feito um amplo trabalho nesse sentido.

 

Modificações na questão tributária também são imprescindíveis nesse caminho de retomada do crescimento?

 

A reforma tributária é tão necessária quanto difícil. Talvez devesse ser a primeira a ser realizada. Mas é complicado conseguir uma proposta que atenda a todo mundo, e acho que isso não será feito agora. O país tem impostos pouco inteligentes, antigos e que não existem em lugar algum, como o PIS/Cofins, em que há incidência de um imposto sobre o outro.

 

A Cide gera aumento de custo ao transportador, mas o investimento em infraestrutura de transporte ainda é muito baixo. Como o senhor avalia essa cobrança?

 

Isso me faz lembrar de duas enganações. Uma foi a Cide para o setor de transporte. A outra foi a CPMF para a saúde. Em nenhuma das duas cobranças, o dinheiro foi para o lugar previsto. O governo usa o valor arrecadado para outras coisas. O que se colocou para o transporte vindo da Cide? Nada. Nós, transportadores, estivemos no Congresso e apoiamos a aprovação. Achávamos que o benefício iria para o setor. Se não foi, deveria acabar.

 

O preço do diesel tem registrado sucessivos aumentos. Isso pode agravar ainda mais a situação do setor neste momento?

 

Essa questão reforça a tese de que a Cide não deveria existir. Se o combustível já está tão caro, ainda vai incidir mais taxa sobre ele? Hoje, o peso do diesel é grande, mas não sabemos se, nos próximos anos, isso será significativo. Há mudanças tecnológicas e outros combustíveis estão sendo desenvolvidos. De qualquer forma, temos que reconhecer que, às vezes, o reajuste é necessário. O que não pode acontecer é o aumento abusivo, acima da inflação, e que traz transtorno para o setor de transporte de cargas e de passageiros.

 

A CNT é referência em pesquisas e estudos sobre transporte. Em 2016, foi lançado o 1º Anuário CNT do Transporte e a Pesquisa CNT de Rodovias chegou à 20ª edição. De que forma essa atuação vem contribuindo para o Brasil?

 

Quando assumimos a CNT, não havia informação nessa área. O governo tentou, nos últimos 40 anos, fazer um plano de transporte para o país, mas nunca conseguiu. Não havia estudos técnicos para amparar as obras. Diante disso, a CNT resgatou a produção de informações sobre o setor. Fizemos o Plano CNT de Transporte e Logística, as Pesquisas CNT de Rodovias e de Ferrovias, a Pesquisa Aquaviária, o Anuário Estatístico, além de vários outros estudos técnicos. Esses trabalhos servem de base para orientar o transportador, informar a sociedade e auxiliar no planejamento dos governos. Tendo em vista a excelência desses produtos, os técnicos da CNT estão de parabéns. As nossas pesquisas e os nossos estudos se tornaram referência.

 

Quais novos trabalhos a CNT desenvolverá neste ano?

 

Vamos aumentar a produção de pesquisas e estudos, contemplando novas áreas do transporte. Já neste início de ano, lançaremos um estudo sobre fretamento rodoviário e uma pesquisa sobre o perfil do motorista de ônibus. Também teremos, em 2017, a segunda edição do Anuário Estatístico, que reúne todos os dados disponíveis sobre transporte no Brasil. Realizaremos, também, importantes trabalhos de análise econômica do setor. Na área ambiental, o Programa Despoluir vai intensificar as medidas voltadas à eficiência energética e implementar ações para redução de consumo e reúso de água nas empresas de transporte. Para nós, a agenda da sustentabilidade é encarada como prioridade em todas as ações.


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