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06 de Outubro de 2015 – 03h37 horas / Revista Carga Pesada

Em um desse meio de dia (6) de outubro de 2005, Lula inaugurava a duplicação da rodovia Fernão Dias ou o mesmo que BR-381, entre São Paulo e BH. Estava ensolarado em Pouso Alegre (MG) e o candidato a reeleição exaltava os ‘seus feitos’ como a queda do preço do saco de cimento e do arroz, além de destacar o raro saldo da balança comercial, não se esquecendo da geração de empregos. Boas e saudosas lembranças de tempos tão diferentes. Não havia multidões no palanque. Eu e a histórica estátua do desbravador Fernão Dias éramos duas das testemunhas. O bandeirante impassível, sequer olhava na direção do discursante. Mão à testa, buscava o horizonte distante… Quem sabe não estivesse antevendo a lambança de hoje.

Vista pela ótica da engenharia rodoviária, a Fernão Dias está na 20ª colocação entre as estradas brasileiras pesquisadas (2014) pela Confederação Nacional do Transporte (CNT). Por isso, lá trás, o saudoso Jésu Ignácio de Araújo repercutiu a inauguração com apatia: “Está longe de ser a obra do século”. Em 2005 ele era presidente da Fetcemg (federação das transportadoras de MG) e deu o seu depoimento à Revista Veículo, de BH (descontinuada em 2006). Jésu criticava a demora da obra: “Levou mais de 12 anos e ainda não está pronta”. Na realidade, foram mais de 14 anos, com início no governo de Fernando Collor, primeiro semestre de 1991.

Pelos números do ministério dos Transportes (MT), o custo da façanha foi de R$ 1, 023 bilhão, sendo R$ 298 milhões até a entrada de Nepomuceno (MG), junto ao trevo de Lavras (MG) e R$ 725 milhões no, digamos, extremo Sul de Minas, até a divisa MG/SP, no total de 470 quilômetros. Já o percurso paulista, bem mais caro por km, consumiu R$ 300 milhões em 90 quilômetros. Por todas as fases da extra-longa novela, houve financiamentos do BID e JBIC, organismos internacionais de fomento. Foi um período de penúrias, o qual deixou marcas nos acabamentos da via, além de ficarem muitos itens por terminar. Destaca-se sobre todos, o seu cinqüentenário traçado mediante geometria intencionalmente adaptada pra custar o mínimo na duplicação. Exemplos persistem nas rampas de mais de 10% e na não retificação das serras de Igarapé e Itaguara (entre outras), ambas em Minas. A sinuosidade de subidas e descidas continua a possível lá pelos meados da década de 1950, quando o então presidente JK inaugurou o asfalto de pista simples em fevereiro de 1959, como BR-55. É imprescindível também que se diga que houve tentativas de livrar o percurso da Fernão Dias dos dois maciços montanhosos que cercam a região metropolitana. Seguiria por Brumadinho (MG), via Fecho do Funil, uma grota natural por onde passa o rio Paraopeba e os trilhos da antiga Estrada de Ferro Central do Brasil (hoje MRS) aproveitam a deixa. A burocracia vetou, mas o DER/MG chegou a elaborar o projeto e máquinas estiveram cortando o terreno ao sul de Betim (MG).

TÚNEL – Não por falta de pensar grande, a rodovia ficou pobre em especificações. Datados de 1953, Antônio Carlos de Brito Machado, hoje, com 82 anos de idade, relembra os planos dos engenheiros do DNER (departamento que antecedeu ao DNIT) da época. Ele tem apelido de Piauí, por causa do seu estado natal e mora em Itatiaiuçu, vizinha a Igarapé. Como contou, ainda na fase de estudos, os projetistas falavam em um túnel com uma das bocas logo na raiz da serra (516, altitude 850 m), sentido SP. A outra sairia junto ao viaduto dos Queias (km 525, altitude de 880 m). A solução evitaria o ter de ir ao pico com 1.100 m. Encurtaria distância e propiciaria mais fluidez, com eliminação de várias curvas de raios curtos (fechadas). Piauí foi motorista da autarquia até se aposentar e dirigia, no início, um caminhão fora-de- estrada médio da marca Chevrolet, com volante à direita, ano 1942. Ainda segundo seu relato, “o buraco seria muito comprido e caro”, o que explica a desistência do DNER. Esse pioneiro da Fernão Dias ainda lembrou que naquele princípio, todo equipamento era próprio da autarquia. Coincidência, há menos de cinco anos, o principal executivo da OHL, concessionária da rodovia, Omar Ribeiro, também falou no assunto, como possibilidade de corrigir as deficiências e a insegurança do traçado dos anos 1950. Ou seja, houve estudos passando pelo túnel. No momento, a Arteris constrói 3ªs faixas ao longo das transposições das duas serras.

Lembrar os dez anos da duplicação fernandiana é falar da concessionária, cujo contrato começou em fevereiro de 2008. Iniciou com a espanhola OHL, substituída na metade do período pelo Grupo Arteris. Sua duração contratual é de 25 anos e o investimento de R$ 4 bilhões. Uma ninharia diante dos custos e da demanda de hoje. O VMD (volume médio diário), que nada mais é do que o tráfego diário sobre a via, nos dois sentidos, segundo o MT, era de 13 mil a 16 mil veículos, conforme levantamento de cerca de dez anos. Subiu barbaridade até 2013/2014 e entrou em declínio. Estaria hoje igual ao de 2007/2008? A concessionária não informa.

Tais ticos são de importância menor diante da definição do valor do pedágio. A OHL virou tema de todo tipo de comentário quando ganhou a concorrência em 2007. Ela ofertou muito por baixo: R$ 0,99 por eixo, quando a referência do edital marcava o teto de R$ 3,223/eixo. Isto equivalia a R$ 1,40/100 quilômetros. Hoje está em R$ 1,60 por eixo ou R$ 2,20/100 quilômetros. A agenda da ANTT marcou para dezembro o próximo aumento e o ministro do Planejamento adiantou que será generoso, tendo em vista o desconto relativo aos eixos suspensos, além de várias obras inadiáveis, empreendidas pela Arteris. Fora a correção da inflação. Os usuários estejam preparados para o degrau. Contudo, a rodovia continuará com atraente relação custo/benefício, diante de outras pedagiadas.

A Fernão Dias forma extensa bacia viária com mais de meia centenas de municípios, não necessariamente cortados por suas pistas. Pega de Contagem a Guarulhos (SP) e em quase oito anos de concessão, estima-se que tenha alcançado a arrecadação superior de R$ 2 bilhões em pedágios, os quais são tidos como módicos. A base de cálculo parte dos R$ 98 milhões de ISSQN, recolhidos aos municípios ‘banhados’ por seu asfalto. Nos tempos da OHL, apesar dos maus dizeres quanto à baixa receita bruta, obras de contrato foram tocadas. O contorno de Betim, medindo 8,13 quilômetros, por exemplo. Outros numerosos acabamentos também foram atacados e uns tantos concluídos. Ver passarelas, ruas laterais, adequação de acessos, etc.

Como sugere a nossa cultura de não-preservação do pavimento, o compromisso com cinco balanças fixas e quatro móveis mantém-se em espera. Por outro lado o referido município de Betim virou um privilegiado. Um trevo (PI) em dois níveis, com alças e tudo que tem direito está adiantado. Além de impor a separação dos tráfegos rodoviário do local, permitirá o fluxo inter-bairros através de abençoadas passagens pela sempre intransponível barreira formada por qualquer via troncal que se mete a atravessar o chamado tecido urbano. A vizinha Contagem, desafortunada, dependerá de esforços, recursos e orações dos seus munícipes para desatar o impenetrável nó misturador no entorno do supermercado Carrefour (km 474).


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