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04 de Fevereiro de 2014 – 11h19 horas / G1

Em frente ao porto da cidade de Cabedelo, na Paraíba, uma placa sinaliza o marco zero da Transamazônica, um dos projetos mais

polêmicos do Brasil. A BR-230 fez parte do programa de integração nacional do governo militar, cuja intenção era levar

nordestinos a ocupar áreas pouco povoadas da região Norte.

Era o início da década de 70, época em que ambientalistas eram raros e não se questionava a derrubada de milhões de árvores.

Só que não houve um estudo de viabilidade econômica e a maioria dos colonos acabou desistindo de se fixar na Amazônia.

“Agricultura e distribuição de terra sem infraestrutura em termos de saúde, educação, transporte, segurança e créditos

acessíveis não funciona. Dos primeiros colonizadores, apenas 15% ficaram”, aponta o bispo do Xingu, Erwin Krautler.

Pelo projeto original, a estrada se estenderia por oito mil quilômetros e ligaria o Atlântico ao Pacífico, atravessando toda

a América do Sul de leste a oeste. O plano foi modificado para um projeto que chegaria apenas até a fronteira do Brasil com o

Peru, mas as obras pararam bem antes. Mesmo assim, com 4.223 quilômetros de extensão, a Transamazônica é uma das maiores

rodovias do mundo. Ela atravessa sete estados (Paraíba, Ceará, Maranhão, Tocantins, Piauí, Pará e Amazonas), corta 63

municípios e passa por três ecossistemas.

Programas de governo nos anos 60 e 70 incentivaram uma sangria sem limites da natureza. “A ideia de inserir a Amazônia no

contexto nacional acabou nos transformando apenas em um enorme almoxarifado, de onde tudo se tira e nada se repõe”, diz o

jornalista e escritor Ademir Braz. Hoje, com as novas regras, alguns setores se tornaram insustentáveis, como a das

siderúrgicas que produziam ferro gusa.

Das dez indústrias do polo industrial de Marabá (PA), nove fecharam as portas nos últimos anos. O Ibama diz que as fábricas

não se adaptaram à legislação ambiental e continuavam a queimar carvão ilegal para produzir ferro gusa. Na última operação,

em 2011, foram aplicadas multas que chegaram a R$ 200 milhões. As fábricas acabaram fechando e seis mil pessoas perderam o

emprego.

Em longos trechos da Transamazônica, não há sinal de asfalto, meio-fio ou sinalização. A estrada é perigosa. Em trechos sem

asfalto, o movimento de caminhões faz surgir uma cortina de poeira. Mesmo com o céu claro, a visibilidade para o motorista é

igual a um dia com neblina. Só nos últimos cinco anos, ocorreram mais de 15 mil acidentes na BR-230. Mais de 500 pessoas

morreram.

Segundo a Comissão Pastoral da Terra, 20 pessoas foram assassinadas nos últimos oito anos por conflitos agrários. Em 2005, a

missionária Dorothy Stang, que ajudou a fundar a primeira escola de formação de professores da Transamazônica, foi morta com

seis tiros por defender o uso sustentável da floresta. Os mandantes do crime ainda estão soltos. “A impunidade na Amazônia

mata e desmata”, afirma Amaro Lopes de Souza, pároco da igreja de Santa Luzia. Ele trabalhava com Dorothy e também é um homem

ameaçado.

Polêmica de Belo Monte

A região amazônica também é palco de um projeto polêmico, a hidrelétrica de Belo Monte. Quando estiver em pleno

funcionamento, em 2019, ela será a maior do Brasil, com 18 turbinas e geração de 11 mil megawatts de energia. Segundo os

administradores, o projeto original foi adaptado para causar o menor impacto ambiental possível no rio Xingu, que será em

parte desviado.

Existe também o compromisso de medidas compensatórias, como saneamento básico em bairros pobres de Altamira (PA). Mas, para

críticos do projeto, é tarde demais. Por causa das obras, a cidade inchou 30% em apenas dois anos e já faltam casas, escolas

e hospitais. Na opinião do bispo do Xingu, é mais um projeto desastroso para a região. “Altamira não teve condição de assumir

a responsabilidade por milhares de pessoas que apareceram de um dia para o outro”, diz Krautler.

A Transamazônica, a rodovia que foi inaugurada, mas jamais foi concluída, termina às margens do rio Purus. Já são 40 anos de

sonhos, esperança, promessas, polêmicas e muitas dúvidas: progresso ou equívoco? A estrada segue cheia de desafios, como a

vida de quem ainda acredita nela.


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