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15 de Julho de 2016 – 05h16 horas / Jornal O Globo

Morando há mais de 30 anos em Copacabana, a aposentada Irene Rodrigues da Silva já perdeu a conta do número de interdições que já viu no bairro devido a grandes eventos. Mas, na quinta-feira passada, a notícia sobre a restrição da circulação de caminhões de cargas pela cidade a partir desta segunda-feira, por um período de quase dois meses, tirou a moradora do sério. Há cerca de duas semanas, uma infiltração no banheiro atingiu os armários do quarto e a obrigou a antecipar a obra que vinha adiando. Para piorar, a geladeira pifou. Ela teme não conseguir resolver as duas questões domésticas.

 

— Se fosse um eletrodoméstico menor… Mas foi a geladeira. E eu encomendei um espelho que tem a altura da parede, armários grandes e mármores para a obra, só que nada disto cabe em caminhonetes pequenas. E não tenho como antecipar as entregas até o domingo. Então, só vou poder concluir a obra em setembro? — questiona.

 

A preocupação de Irene é parecida com a de vários setores que serão afetados por uma restrição tão longa. A partir desta segunda-feira, os caminhões não poderão trafegar entre 6h e 21h, nos dias úteis, no Centro e na Zona Sul. Já nas zonas Norte e Oeste, não poderão circular entre 6h e 11h e entre 17h e 21h nos dias úteis. Na Avenida Brasil, principal corredor de abastecimento da cidade, as restrições acontecem de segunda a sexta-feira entre 6h e 10h e das 17h às 21h.

 

Mesmo com todas as reuniões entre federações e associações de classe com a Prefeitura do Rio e com a Empresa Olímpica, o setor de varejo ontem ainda tentava absorver o impacto da medida que começa a valer nas próximas 72 horas. Diretor-presidente da Mudanças Gato Preto, Aureliano Lima está solicitando à prefeitura autorização prévia para circular com seus veículos fora do horário previsto de 22h às 6h. Se não conseguir, pretende entrar com mandado de segurança contra o município:

 

— Não há como trabalhar neste horário devido à lei do silêncio. É proibido, além do fato que nenhum condomínio permitiria o uso de elevadores no horário noturno ou da madrugada — afirmou.

 

Aureliano contou que recebeu decreto informando que os veículos de transportes de valores, de socorro e de mudanças residencias poderão circular também durante o dia, desde que autorizados pela Secretaria Municipal de Transportes:

 

— Estou oficiando a prefeitura para saber se a Secretaria de Transportes manterá um plantão para atendimento ou se posso pedir autorização prévia. Caso contrário, vou recorrer à Justiça porque não tenho como ficar quase dois meses sem funcionar — disse o diretor-presidente, cuja empresa tem 76 anos, cerca de cem funcionários e faz em média dez mudanças por dia. — Não há como dar férias coletivas por um período tão longo.

 

CUSTOS COM ADICIONAL NOTURNO

 

Responsáveis por fornecer mais de 80% de tudo que é consumido na cidade, os produtores da Ceasa conseguiram flexibilizar o horário de funcionamento do centro de abastecimento para que os caminhões possam sair do local até a meia-noite.

 

— São 3.200 caminhões ao dia. Recebemos cargas que vêm desde o Tocantins, como de melancia. Se não conseguíssemos adequar os horários da central com o horário da restrição da Brasil, provavelmente haveria risco de desabastecimento — afirmou o presidente da Associação Comercial dos Produtores e Usuários da Ceasa Grande Rio e São Gonçalo, Waldir de Lemos.

 

Presidente do Conselho Empresarial de Logística e Transporte da Associação Comercial do Rio e da Federação do Transporte de Cargas do estado (Fetranscarga), Eduardo Rebuzzi calcula que o horário de restrição irá causar um impacto de 20% no custo de boa parte das empresas. O percentual se deve ao pagamento de adicional noturno para manter lojas abertas e, assim, receber mercadorias. É o caso de supermercados e transportadoras de cargas. Segundo ele, em reuniões com a prefeitura, entidades envolvidas chegando a um consenso que o abastecimento será garantido.

 

— No começo, a prefeitura veio com a ideia de que caminhão não poderia funcionar. Lembramos que sem abastecimento não há Olimpíada, porque temos que prover hotéis, restaurantes e locais de provas. Houve uma flexibilização. Tem gente que está reclamando, e eu entendo os prejuízos. Mas é preciso que se entenda que Olimpíada é a maior operação logística do mundo, depois das guerras. Os empresários querem faturar no evento. Então, terão que se organizar — avaliou.

 

Presidente da Associação de Supermercados do Rio de Janeiro, Fábio Queiróz contou que as empresas estão fazendo simulações na madrugada:

 

— A maioria dos supermercados não funciona no horário noturno. Então, tiveram que contratar pessoal extra para trabalhar à noite e de madrugada para receber os produtos. Estamos fazendo simulações. Não há ainda como aferir o custo disto. Caberá à cada empresa decidir se repassará este custo ao consumidor.


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