Rio sem entrega: para fugir dos roubos de carga, até carne é transportada em carro-forte
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04 de Maio de 2017 – 03h03 horas / EXTRA

A cada segundo, 20 aves são abatidas em São José do Vale do Rio Preto, na Região Serrana, maior fornecedora de frango fresco do estado. Palco de um único assalto nos três primeiros meses do ano, a cidade caminha para o colapso econômico devido a uma onda de violência que ocorre a mais de 80 quilômetros dali, sobretudo na Região Metropolitana, para onde vai 90% da produção rio-pretana. A cada três dias, em média, um caminhão abarrotado de aves que deixa o município é alvo dos ladrões de carga.
— Cerca de 40% da economia gira em torno da avicultura, e vários abatedouros já ameaçam fechar por causa do prejuízo acumulado — relata o prefeito Gilberto Esteves.

 

Só no primeiro trimestre, o prejuízo é de quase R$ 1 milhão, com 32 caminhões roubados. O valor equivale a 20% da arrecadação mensal local.

 

— Os roubos de alimentos subiram no estado pela facilidade de revenda — diz Riley Rodrigues, gerente de estudos de infraestrutura da Federação das Indústrias do Rio (Firjan).

 

As carnes, não apenas de frango, estão entre os principais alvos das quadrilhas. Para diminuir os riscos, já há atacadistas fluminenses contratando carros-fortes refrigerados para o transporte deste tipo de item, em especial cargas valiosas, como cortes nobres.

 

— O custo é altíssimo. E já estamos sem o seguro da carga, só temos para o caminhão, que aumentou 30% este ano — alega um empresário, sob a condição de anonimato.

 

A Protege, gigante do setor de segurança e transporte de valores, confirma que foi contatada por interessados, no Rio, em transportar carnes nos blindados aclimatados. A empresa, porém, só chegou a fazer esse serviço em São Paulo.

 

— O nosso foco são os eletroeletrônicos e a área farmacêutica — detalha Mário de Oliveira, diretor da Protege.

 

Desde março, as seguradoras não oferecem mais seguro para remédios, que também exigem refrigeração especial no transporte.

 

Prejuízo milionário nos abatedouros

 

Em São José do Vale do Rio Preto, um único dono de abatedouro, que emprega 82 funcionários, amargou um prejuízo acumulado de R$ 420 mil com cargas roubadas. Além disso, dois caminhões foram levados pelos criminosos, cada um avaliado em R$ 200 mil. Se a escalada de crimes permanecer, conta o empresário, será preciso fechar as portas até o fim do ano.

 

— Os meus clientes estão comprando uma caixa de frango fresco a R$ 50, sem procedência. O custo do atacado para o varejo é de R$ 240. Quando oferecemos o produto, o comerciante alega sobra no estoque, mas o atacadista tem o controle de venda regular e dos funcionários que estão no ponto de venda varejista — afirma.

 

Já o dono de um outro abatedouro, fundado na década de 1970, perdeu no ano passado quatro dos 15 caminhões de sua frota de entrega, além de registrar um total de R$ 450 mil de prejuízo com os roubos de carga.

 

— Dez funcionários, entre motoristas e ajudantes, já pediram demissão após assaltos. Os empregados estão com medo de ir para o Rio de Janeiro. Com essa situação nós também retiramos investimentos para ampliar a fábrica. E quando tentamos comprar maquinário na indústria do Paraná, os fornecedores disseram que não entregam mais no Rio de Janeiro — revela o empresário.

 

Na Baixada, prejuízo de R$ 667 milhões

 

Um levantamento inédito produzido pela Firjan, ao qual o EXTRA teve acesso com exclusividade, revela que só na Baixada Fluminense o roubo de cargas gerou prejuízos da ordem de R$ 667 milhões. De 2011 a 2016, foram 10.622 mil ataques — média de cinco assaltos por dia.

 

A maior perda ocorreu em Caxias, com impacto de R$ 236 milhões. Segundo a Associação Nacional do Transporte de Cargas e Logística, 7,9% do faturamento bruto são aplicados em gerenciamento de risco.
— Hoje, gastamos R$ 1 milhão por mês com escolta e rastreador. E o valor acaba repassado ao cliente, encarecendo 10% na segurança e mais 10% com o frete — explica Ramon Alcaraz, diretor da Fadel Transportes.

 

Por conta disso, as transportadoras implantaram uma taxa extra que varia de 0,3% a 1% do valor da carga, ou de R$ 10 a R$ 15 a cada cem quilos.

 

— É um alto custo para manter operações em condições de total insegurança — justifica o presidente da NTC&Logística, José Hélio Fernandes.


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